Cefas Carvalho
Baiano
radicado em Natal, Antônio Nahud Junior é jornalista, escritor e poeta.
Cinéfilo, tem o blog “O Falcão maltês”, um dos mais prestigigiados do país no
gênero. Aos 21 anos publicou o seu
primeiro livro, “O Aprendiz do Amor” e tem vários outros publicados. E nesta quinta-feira lança seu mais novo livro (de contos): “Pequenas histórias do
delírio peculiar humano”. Será em Nalva Salão Café às 19h. Nahud concedeu
entrevista a este blogueiro-jornalista para falar sobre o livro e o processo
criativo de modo geral. Confira:
O livro a ser lançado é uma
compilação de contos. Fale sobre seu processo de escrever contos e do que se
trata o conceito do livro.
Comecei
minha obra ficcional tendendo para o conto clássico, influenciado por Edgar
Allan Poe e F. Scott Fitzgerald, meus grandes ídolos quando adolescente.
“Fúria”, o meu primeiro conto, surgiu quando ainda era um adolescente, ganhando
um prêmio literário do governo de São Paulo. Animado, nos anos seguintes
produzi uma série de narrativas curtas compiladas em dois livros “Contos e
Lendas de Paixões Mórbidas” e “A Mão do Diabo Está Sobre Mim”. Mas a vida
nômade, que me levou a mudar de cidade e até de continentes, terminou por
perdê-los para sempre. “Fúria” escapou por ter sido publicado numa antologia e
faz parte desse meu novo livro, “Pequenas Histórias do Delírio Peculiar
Humano”, ajudando a compor o retrato, bastante nítido, de minha trajetória
literária. São 64 contos minimalistas, viscerais e até cruéis, em torno dos
sentimentos mais difíceis, mas também mais definidores do homem urbano da
atualidade. Um livro sem concessões num emaranhado de imagens chocantes.
Escrever contos é mais difícil que escrever poesia ou jornalismo?
Nada
é mais complexo que escrever poesia. Ela é uma espécie de síntese da liberdade
interior. Um terreno turvo, uma mistura explosiva de delicadeza e desassossego.
Experimento sempre uma certa aflição com a poesia, vagando por um caminho até
então desconhecido. A poesia não permite garantia de bons resultados. Ela
sempre surpreende, para o melhor ou o pior. O conto é diferente, mas prazeroso
e definitivo. Quase sempre se apresenta no papel como imaginado antes de
escrevê-lo. No meu universo de contista há uma saudável ambição, que talvez
pudesse ser definida como a tentativa de combinar ritmo cinematográfico com a
rede complexa de relações sociais. Cabe quase tudo nele: o policial, o
fantástico, o terror, o intimismo, o erótico ou o melodrama. O jornalismo
caminha por outras veredas. É mais uma questão de experiência, preparo
intelectual, objetividade e compreensão da cabeça do leitor médio. Como passei
muitos anos em redações ou em coletivas disputadas, onde o tempo é curto e a
síntese fundamental, a prática jornalística me parece elementar, como a necessidade
diária de escovar os dentes ou comer, embora procure sempre investir na fineza
de estilo e linguagem de qualidade.
Existe o projeto de você lançar um romance?
Recuso-me
a isolar a literatura do risco. A cada novo livro, pretendo sempre desmentir,
quase anular, o anterior. Tenho dois romances na reta final, “Homem Sem
Caminho” e “Fome de Amor”, e eles são completamente distintos um do outro,
embora retratem as dificuldades impostas por um mundo de identidades partidas,
ou melhor, dominadas pela insuficiência de qualquer identidade. Trabalho neles
há alguns anos. O primeiro é uma versão moderna e homoerótica da novela
“Carmen”, de Prosper Marimée. Tem como pano de fundo a imigração brasileira
ilegal. Passei quatro meses na Andaluzia lendo e relendo esse livro de poucas
páginas, além de visitar todos os cenários retratados pelo escritor francês.
Mas ainda falta um tempo para sua agonia ser exposta ao mundo. “Fome de Amor” é
um romance noir nos trópicos. Algo assim como Dashiel Hammett, Raymond Chandler
ou James A. Cain escrevendo sobre homens desiludidos, mulheres fatais e crimes
sob o sol escaldante do Rio Grande do Norte.
Por que o nome do livro?
O
título induz a um engano recorrente: a banalização das histórias cotidianas de
todos nós. Tudo isso já foi contado e recontado, de Tchekhov a Rubem Fonseca,
mas é sempre atraente descrever mais uma vez um mundo sem descanso, sem afeto e
sem perdão. Trabalho com a surpresa, a estranheza e o macabro, fugindo do
naturalismo regionalista ou da linguagem tosca da televisão e da web. Acredito
na ficção como forma de investigar a natureza humana, não como entretenimento
fácil. Os meus personagens obedecem a algum chamado, enfrentando ou sucumbindo
aos seus demônios, entregando-se às próprias obsessões, entre o mítico e o
real. Essas “pequenas histórias” reveladas neste livro podem ser uma odisseia
perturbadora se vivenciadas. E todos nós temos nossas “pequenas histórias”.
Como é conciliar atividade
jornalística, blog, militância cultural e ainda produzir literatura?
Os
escritores estão solitários, cada um entregue às próprias obsessões. Muitos se
consolam abandonando a própria literatura. Eu penso diferente, nada melhor que
a dupla ou tripla identidade, produzindo arte para escapar do vazio e do
superficial. É uma luta diária, com muitos desacertos, mas a minha fúria
artística procura não perder de vista a afinação de minha voz particular. Essa
dualidade literária, artística e jornalística encontra raízes no Renascimento,
onde o artista era, não raro, escritor, poeta, músico, desenhista ou botânico,
além de praticar outros conhecimentos. Motivado por razões ou inspirações
distintas, vou no mesmo delírio. Mas não é nada fácil. Exige, acima de tudo,
paixão, obstinação, perseverança e muita energia. E eu amo todas as atividades
profissionais que pagam meus vícios e virtudes. Sou humildemente grato por
sobreviver da escrita em seus diversos aspectos.
Baiano, vivendo há alguns anos em
Natal, qual a sua visão da literatura potiguar?
Ainda
me encontro num processo de aprendizado, de conhecimento, embora já possa
garantir que é uma literatura expressiva, de nomes relevantes como Oswaldo
Lamartine, Pablo Capistrano ou Marize Castro. Trabalho com o poeta Diógenes da
Cunha Lima, portanto estou sempre conhecendo escritores/poetas veteranos ou
mais novos. Além disso, ele possui uma biblioteca mágica, borgiana, que me
permite mergulhar na literatura potiguar. Ando atualmente lendo Clotilde
Tavares e as crônicas de José Luiz Silva, que só recentemente fiquei sabendo se
tratar de seu pai, Cefas. No entanto, percebo que os escritores do Rio Grande
do Norte vivem numa ilha sem porto, não se envolvem, não trocam impressões, não
parecem interessados em movimentos literários. Por exemplo, tentei me aproximar
do pessoal dos Jovens Escribas e não houve retorno. Foram gentis, mas
distantes. Esse tipo de comportamento, mesmo sem má fé, sufoca a literatura de
todos, não atravessa fronteiras, roubando do escritor inúmeras possibilidades.
Acrescenta muito pouco bajularmos um Marcelino Freire ou um outro escritor conhecido Brasil afora. É por
demais provinciano. Precisamos, antes de tudo, nos unir, incentivando a
literatura local.
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