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Moacy Cirne: Do Seridó para Rio e sobre cinema e HQs


Rômulo Estanrley

Ele saiu ainda muito jovem do sertão do Seridó para se tornar uma referência nos movimentos culturais do Rio Grande do Norte e do Rio de Janeiro, nas décadas de 1960 e 1970. Considerado o maior estudioso brasileiro das histórias em quadrinhos (HQs), tendo escrito inúmeros livros sobre o assunto, Moacy Cirne também foi um dos fundadores do movimento cultural denominado poema/processo.
Sua intensa participação como ativista cultural ainda inclui a participação na fundação do Cineclube Tirol e da instauração do Cinema de Arte de Natal e, em escala menor, da Associação Brasileira de Semiótica/RJ.
Professor-aposentado do Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal Fluminense (UFF), aos 69 anos de idade, o entrevistado divide o seu tempo entre a capital potiguar e a capital fluminense.
Moacy da Costa Cirne nasceu no dia 13 de março de 1943, no sítio Caatinga Grande, em São José do Seridó, que na época era distrito de São José do Seridó. É filho do comerciante Luiz da Costa Cirne e de Nady da Silva Cirne. São seus irmãos: (da primeira família) Nilton, Lourdinha, Elizabete, Ziuna; (da segunda família) Helena, Henrique, George, Eloísa e Cirne Júnior.
O contato com a revista Tico-Tico, a primeira a publicar revistas em quadrinhos no Brasil, o estimulou a ter contato com o mundo da leitura, por volta de 1948. Tratava-se de um interesse puramente lúdico-afetivo. O Tico-Tico, por exemplo, representava todo um mundo para o menino Moacy.
Dona Nady, sua mãe, lia a publicação e ao mesmo tempo procurava ensinar ao pequeno Moacy o domínio das primeiras letras. Ela deveria saber que ler era um dos melhores meios de aquisição de conhecimento. Já dominando os códigos da escrita do alfabeto, foi estudar o primário numa escola particular de Tereza Mota, em Caicó, na Rua do Serrote (ou Rua Marinheiro Fernando).
A conclusão do primário se deu no Externato São Luiz, de dona Lourdes (que se localizava na praça da Igreja do Rosário). De lá, fez o ginasial no GDS (Ginásio Diocesano Seridoense), em 1956. No ano seguinte, a família de Moacy se mudou para Natal. Na capital, estudou no Colégio Santo Antônio (Marista), no período de 1958/59. Ao retornar para Caicó, concluiu o ginásio no GDS.
Em 1960, regressou para a capital e cursou o colegial (ou científico) no Colégio Marista, concluindo em 1963. Um ano depois, ingressou na Faculdade de Direito, na Ribeira, na ocasião em que foi aluno de Edgar Barbosa e Alvamar Furtado. Por não se identificar com o curso que aborda as normas de conduta de regulação das relações sociais, abandonou-o logo no início.
Com “a cara e a coragem”, viajou para o Rio de Janeiro, em 1967, e passou a dividir um quarto, no bairro da Glória (localizado entre o centro e Flamengo), com o jornalista Djair Pereira Dantas; e, mais tarde, um apartamento, com outro amigo. Antes, óbvio, fez contatos e, chegando a solo carioca, passou a trabalhar na revisão de textos de livros para editoras. Lá, havia dois grupos de amigos seus: os do Rio e os de Natal, que se encontravam em terras fluminenses. “E, para completar, eu tinha o Maracanã à minha disposição, pois eu gosto muito de futebol”, confessou, acrescentando: “Eu morei, em 42 anos de Rio de Janeiro, em dezessete lugares diferentes, da Tijuca a Ipanema”.
Foi no Rio de Janeiro que Cirne se envolveu com o grupo da Semiótica e Comunicação, participando do lançamento do poema/processo (em Natal e no Rio de Janeiro), movimento de vanguarda literária próxima das artes plásticas, ao lado de Wlademir Dias-Pino, Alvaro de Sá, Décio Pignatari, Neide Dias de Sá, Anselmo Santos, Dailor Varela, Anchieta Fernandes, Falves Silva, Nei Leandro de Castro, Sanderson Negreiros, Pedro Bertolino, Hugo Mund Jr. e outros.
Ao se interessar por histórias em quadrinhos, passou a ler livros franceses sobre o tema, pois naquela época a França “estava no auge da teoria de quadrinhos”, seguida pela Espanha e Itália. Moacy Cirne percebeu que os quadrinhos ultrapassavam as fronteiras da própria indústria cultural, enquanto linguagem, e que poderiam se transformar em pesquisa acadêmica.
Na década de 1970 escreveu a coluna EQ, juntamente com Marcio Ehrlich, no jornal carioca Tribuna da Imprensa. Foi editor da Revista de Cultura Vozes, de Petrópolis (1971-1980), e colaborador do suplemento Livro, do Jornal do Brasil (Rio, 1972-76). Ao ingressar na UFF, no Departamento de Comunicação Social, em 1971, foi professor assistente do cineasta Nelson Pereira dos Santos.
Moacy Cirne começou lecionando a disciplina “Introdução à História da Comunicação”; depois, ao lançar dois livros sobre arte seqüencial – “A Explosão Criativa dos Quadrinhos (1970) e Para ler os quadrinhos (1972) – criou, em 1972, a “Introdução às Histórias em Quadrinhos”, sendo o pioneiro em Niterói – a primeira disciplina nesta área foi criada em Brasília, pelo professor gaúcho Franscisco Araújo, da UNB.
Era famoso no Instituto de Arte e Comunicação Social da UFF por editar e distribuir o fanzine independente de uma página, chamado Balaio Porreta. Cirne costumava organizar comemorações chamadas "Balaiadas" com distribuição de brindes como livros de arte e poesia entre os alunos do curso de Comunicação Social da UFF, para divulgar as edições especiais do Balaio. Desde 2007, o fanzine, que une textos provocativos, listagens de filmes, pensamentos e poesias, se transferiu para a internet sob a forma de um blog, o Balaio Vermelho.
Apesar de ser uma referência na teorização da linguagem visual da arte seqüencial no Brasil, Moacy confessa que leu poucas revistas em quadrinhos e se concentrou mais na literatura. Ele definiu esse período de “fase besta”, por não ter lido HQs como deveria, que em sua opinião são tão importantes quanto a literatura, embora em níveis diferentes.
INFLUÊNCIAS
Influenciado pela leitura dos livros de Jorge Amado e Karl Marx, passou a militar na esquerda, através da Organização de Combate Marxista-Leninista – Política Operária (OCML-PO), no Rio de Janeiro. “Fui perseguido, mas nunca me pegaram, pois eu não era da linha de frente. Era apenas um intelectual de esquerda, que ficava na retaguarda”, explicou.
Indagado se quando começou a teorizar sobre quadrinhos sofreu algum tipo de preconceito, respondeu que não. Mas falou que havia pessoas que não davam importância ao tema. Já em São Paulo, havia aquelas que estavam interessadas no assunto, mas só que em leituras factuais sobre HQs – e não na sua teorização.
Moacy Cirne disse que nunca produziu uma revista em quadrinhos. Apenas fez o roteiro para tiras de jornais alternativos de circulação restrita, como os dos sindicatos – “Hora Extra” foi o principal deles.
O escritor casou por três ocasiões – da primeira vez, com Maria de Jesus; da segunda, com Ana Léia, com quem teve as filhas Ana Morena e Isadora; e da terceira, com a professora universitária Fátima Arruda, sua atual companheira desde 1995.
Autor de cerca de dez livros sobre quadrinhos, em que faz uma abordagem ideológica, admite que a contribuição dos comics norte-americanos resida na parte gráfica – os EUA é para muitos o berço do quadrinho como conhecemos hoje.
Em 2009, o governo do Estado, através da Fundação José Augusto, lançou o Prêmio Moacy Cirne de Quadrinhos, que objetiva selecionar dez quadrinistas potiguares para integrarem uma coletânea de quadrinhos. O prêmio tem como objetivo revelar e premiar o talento dos artistas profissionais ou amadores do RN, além de impulsionar a produção artística nessa área.


Foto: Rômulo Estanrley

Um comentário:

  1. Marleide Correia Lima1 de novembro de 2012 às 17:10

    Tive um amigo em Varzea Alegre, tô achando bem parecido com a história de Luiz da Costa Cirna.
    Ele era do Batalhão de Eng. e Const. de Picos.
    Queria reencontra-los.

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