Ricardo KotschoQuanto mais converso com as pessoas, mais me convenço de que esta história de que os pais precisam de uma “Lei das Palmadas” para saber como devem educar seus filhos não passa de uma grande bobagem.
Sem nem entrar no mérito do projeto de lei enviado pelo governo federal ao Congresso no começo de julho, cabe uma simples pergunta: se por acaso esta proposta for aprovada, como poderá ser cumprida na prática?
É mais um não-assunto que está gerando uma polêmica danada no momento em que a campanha presidencial deveria discutir os rumos e as propostas para o futuro do país. Virou manchete de jornal, capa de revista, tema de pesquisa, tudo isso para quê? Como pai e avô que se orgulha da educação das filhas e dos netos, acho até graça.
Alguém pode imaginar uma criança indo à delegacia de polícia mais próxima para denunciar os próprios pais por ter levado um tapa na bunda? E o delegado vai lá prender os pais? A Justiça vai processá-los e tirar-lhes o pátrio poder?
O texto da lei defende “o direito da criança e do adolescente de serem educados e cuidados sem o uso de castigos corporais ou de tratamento cruel ou degradante”. Até aí estamos todos de acordo, mas são duas situações bem diferentes, convenhamos.
“Tratamento cruel e degradante” contra qualquer pessoa é crime já previsto em lei desde sempre. Mas de que tipo de “castigo corporal” estamos falando?
A julgar pelos resultados da pesquisa Datafolha sobre a “Lei das Palmadas” divulgados nesta segunda-feira, 72% dos pais brasileiros deveriam estar na cadeia porque foi este o percentual de entrevistados que declararam já ter sofrido algum castigo físico na vida. Eu mesmo confesso que já dei e levei algumas (poucas) palmadas.
A mesma pesquisa mostra que os pais estão batendo menos nos filhos: se 72% já levaram uns cascudos, apenas 58% declararam que também já bateram nos filhos, ou seja, de uma geração para outra, a criançada está apanhando menos para andar na linha.
Nem por isso a violência diminuiu. Ao contrário, todas as estatísticas indicam que, de ano para ano, os brasileiros estão respeitando menos a vida alheia, ficando mais violentos, matando mais por qualquer motivo ou sem motivo nenhum.
Fico pensando de que cabeça desocupada pode ter saído esta idéia, que só serve para atiçar os adversários do governo federal, dando-lhes munição para acusá-lo de querer acabar com as liberdades individuais ao intrometer o Estado na relação entre pais e filhos. Tem cabimento?
O que estamos percebendo hoje é uma clara contradição entre o mais longo período na nossa história recente de respeito às liberdades públicas _ de expressão, de organização político-partidária, religiosa e social _, enquanto se engendram restrições às liberdades individuais, como se leis deste tipo pudessem nos fazer mais felizes e saudáveis.
É claro que todos nós somos contra qualquer violência praticada contra crianças, sejam nossos filhos ou não, mas para isso já existe o Código Penal, que pune severamente estes crimes. Daí a querer tirar dos pais o direito de saber o que é melhor para educar seus filhos vai uma longa distância.
Em todas as classes sociais, o que tem acontecido é uma crescente leniência dos pais ao estabelecer parâmetros sobre o que seus pimpolhos podem ou não fazer, quais os direitos e os deveres para se viver em sociedade, respeitando as leis já existentes.
A maior prova disso é o desrespeito aos professores, vítimas até de agressões dos alunos, que se sentem protegidos pelos pais para fazer o que bem entendem. É isso que acaba levando a assassinatos como o que vitimou o filho da atriz Cissa Guimarães, atropelado durante um racha num túnel interditado no Rio de Janeiro.
Cada um tem seu jeito de educar os filhos. Isso varia muito até dentro de uma mesma família. Pais e mães muitas vezes discordam sobre os corretivos que devem aplicar quando os filhos não os obedecem, não querem estudar ou comer, não cumprem horários, não saem da frente da televisão ou do videogme.
Dar um beliscão ou um tapa na bunda, colocar de castigo ou cortar a mesada? Não existe uma receita pronta que sirva para todos. Antes de mais nada, é preciso ter bom senso, dedicar mais tempo a conversar com os filhos e educá-los pelo exemplo, o que os pais que vivem nas grandes cidades têm feito cada vez menos, deixando tudo por conta das escolas.
Assim, muitas vezes, o último recurso, que é o castigo, acaba sendo o primeiro. E as crianças vão descontar suas frustrações e revoltas em cima dos professores, que nada podem fazer, criando-se um círculo vicioso que nenhuma lei vai cortar. Não sei qual a melhor solução, mas não é, certamente, punindo os pais com a “Lei das Palmadas” que vamos melhorar o nível educacional dos nossos jovens e construir uma sociedade menos violenta, mais fraterna.
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