Contador

Nina Rizzi: “Muitos textos feitos por mulheres não poderiam ser escritos por um homem”


Cefas Carvalho

Escritora suicida, poeta visceral, professora, militante cultural, Nina Rizzi é tudo isso, é muito mais. Paulista de Campinas, nascida em 1983 e radicada no Ceará, Ellena Cristina Lopes (“O Rizzi só quem tem é a mãe, mas eu sou mesmo uma filha da mãe!”, diverte-se) Nina tornou-se conhecida pela militância poética e cultural nos blogs citados (http://www.escritorassuicidas.com.br/ e http://putasresolutas.blogspot.com/ ) e mantém o blogue “Ellenismos” (http://ellenismos.blogspot.com/ ) onde expõe sua poesia visceral e “feminina” (ou “feminista”?). Embora choquem os incautos, os nomes "Escritoras suicidas" e "Putas resolutas" servem para o grupo de escritoras e poetas que formam os blogues - Nina inclusa - questionem os estereótipos que marcam a produção artistica e om comportamento feminino. Formada em Artes Dramáticas pela EAD/ USP e Bacharel e Licenciatura em História pela UNESP, trabalha como  Coordenadora do Centro de Artes em uma escola em Fortaleza, colaboradora em projetos e ações de educação, cultura e arte no MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), pesquisa etno-literárias com grupos de mulheres. Conhecedora da cultura potiguar, já mostrou seus versos e sua postura ao mesmo tempo doce e hipnótica em saraus na cidade de Natal. Confira a entrevista que ela concedeu a este jornalista (Foto: Mariana Botelho):

Você mantém um prestigiado e lido blogue. Como a cultura dos blogues e da própria internet facilita e democratiza a produção literária, em especial, a poesia?
De fato, a internet democratiza o acesso às leituras as mais variadas. Há autores clássicos que eu só fui ler na rede, porque impressos são muito caros ou difíceis de encontrar. E os blogues impulsionam também o exercício da literatura, seja ela embasada num suporte intelectual, crítico e humanista ou não, confessional, etc.; e muita gente se vai descobrindo, autores que, talvez, sem a internet, jamais chegassem a ser lidos. Além disso, há uma proximidade com os autores, que aqui aparecem muito mais “reais”, devido à própria carga de pessoalidade dos blogues, além de evocar os tradicionais diários íntimos.  E, assim, os padrões estético-literários, os cânones vão se transformando, fundindo e até mesmo surgindo novos; não obstante a perenidade dos livros tradicionais e clássicos, está sendo construindo um novo paradigma.

Você tem uma obra (e uma postura artística) marcadamente feminista. Você acredita que existe uma “arte feminista (ou essencialmente feminina) ou não?
Muitos textos feitos por mulheres não poderiam ser escritos por um homem. A gente sabe, sente quando lê; qualquer produção em arte se dá, além do que se leu, viu, visitou, soube, imaginou, segundo os próprios sócius internos e visões de mundo, deste modo, se eu vivo num mundo culturalmente patriarcal e machista, ficará marcado em minha produção o modo como absorvo tais contradições e contrastes e não só das relações de gênero.
Tais marcas se evidenciam, sobretudo, se tais contradições me afetam muito diretamente, que é um pouco do que me ocorre: faço pesquisas e oficinas literárias com grupos de mulheres, e as histórias que se desvelam vão se corporificando em minha literatura se quando a estou concebendo ainda me são densas as memórias evocadas... No Escritoras Suicidas, por exemplo, tem as mulheres e os “homens que fingem de”, em alguns casos fica muito claro tratar-se de um homem, por quê? Se fosse um heterônomo de Fernando Pessoa, poderíamos jurar se tratar de uma escritora mulher? Não sei, há dimensões muito particulares do universo feminino, depende do que se escreve e com que intenção. Por outro lado, há temas, sentimentos e coisas que são universais, a poesia é universal e independe de homens, mulheres e das reações de gênero pré-estabelecidas e que estabelecemos; o que o poeta e a poetisa não sabem, o poema sabe.

Como você avalia a poesia feita hoje no Brasil?
Há uma abundância de poetas, editoras, mas poesia... Leio tudo que me chega às vistas e confesso: não raro permaneço nos três primeiros versos e volto à poesia simbolista e modernista. Isso por causa de alguns ‘vícios’ ou posturas poéticas que não me agradam, são: as fórmulas, bons poetas que perdem o viço da poesia por reproduzirem algo que deu certo; linguagem rebuscada e/ ou poesia intelectual ou com alguma ‘mensagem subliminar’ a ser desvendada, pra isso eu leio Pound, Dylan Thomas, Camões, é a fórmula copiada; os fazedores de jogos de palavras que buscam recriar um concretismo com cinismo e cretinice (!); e ainda os panfletários e os melosos... em matéria de poesia não cabem fórmulas, mentiras, batatinha-quando-nasce, propaganda e o lugar-comum; a poesia deve nos tirar da zona de conforto, mexer em algo cá dentro e disparar a chispa para a maravilha que é a própria poesia em si, sem quaisquer favores ou diálogos, apesar de trazê-los intrínsecos porque o poeta de verdade é um cidadão na mais sagrada acepção do termo; a poesia é matéria bruta e a encontro quando me é possível uma experiência educacional, ainda que puramente estética.
Podemos recorrer ao enfoque sutil presente na alegoria benjaminiana, que sugere que o ouvinte de uma história – ao ouvi-la, ou ler, compreendê-la em seus detalhes e empreender uma atitude interpretativa – choca os ovos da própria experiência, fazendo nascer deles o pensamento crítico, a chispa poética. Mas muito do que se vê hoje é o autor e não a Poesia, algo a ser vendido e não lido, e a poesia, repito, independe do autor, é algo incomprável. De qualquer maneira, há boa poesia sendo produzida, e aí chegamos novamente aos blogues, porque quando vou à livraria ou aos sebos não é procurando novos autores, então que a blogoesfera se nos oferece um mundo a ser desbravado, cheio de mato a ser cortado, mas adentrando com cuidado, é possível encontrar alguma fonte do ouro.

Há quem diga que a poesia está em decadência. Qual sua opinião sobre isso?
A poesia está nas ruas, é uma marginal, mas também está circunscrita nesse luxuoso quarto andar de colégio elitista; a poesia está onde se nos arranca, é viva e carne quando o mais são tampas, ceifadeiras. Além das questões acima, há uma pressão mercadológica que muitas vezes acaba sendo irresistível a alguns... Mas não vejo as coisas assim tão fatalistas em poesia, não em poesia, esta sobreviverá até a irmandade final dos ossos com a terra. Gosto quando Gombrich diz: "O artista é seu melhor crítico. Se ele dialogar com sua obra, é um artista. Se dialogar com o público, é provavelmente um impostor".

Você tem textos publicados na coletânea “Dedo de moça”. Fale sobre este projeto e sua importância.
O projeto começou há cinco anos com o site, idealizado por Silvana Guimarães e Mariza Lourenço, então no final de 2009 publicamos a antologia. E, Suicida, nesse caso, não é nenhuma alusão a escritoras como Virgínia Woolf, Ana Cistina César, Sylvia Plath ou Alejandra Pizarnik, antes tem muito mais de vida e coragem ante as dificuldades que se nos impõe, assim como encerra a idéia de que mulheres escrevem coisas açucaradas e sentimentalóides.
Outro grande barato está em ter homens – como, por exemplo, Rodrigo Souza Leão - no livro, Romina Conti - nesse corpo (sem trocadilhos!), mostrando que é possível ter uma visão feminina e feminista (no sentido puro do termo: a horizontalidade) de mundo sendo homem ou mulher. A escritora suicida é aquela que mata tudo o que a impede de ser mulher, que mata a mulherzinha que há em si para ser a “super-homem” nietzschiniana, para ser a puta resoluta. A Escritora Suicida, a puta resoluta, são mulheres que matam o impossível. Nós somos impossíveis dentro de todas as (im)possibilidades.

Você é paulista radicada no Ceará. Qual a diferença (se existe) da cultura atualmente produzida no “Sul” e no Nordeste?
Existe, sobretudo na poesia popular; aqui no nordeste, onde se inscreve na tradição oral e tem como um de seus principais agentes o cantador do meio rural que, sob uma aparente ingenuidade, há uma profunda experiência da vida cotidiana que confere uma dimensão simbólica determinante à sua obra; é uma poesia que nasce do sofrimento e da alegria, da malícia e do coração de quem sabe muito bem o que é ter fome, dor de amor, ir à guerra quando não quer ou ter de trabalhar até suas últimas forças. A poesia nordestina é testemunha de um modo de vida, mas também reivindicadora de valores próprios, da elaboração de uma identidade e reconhecimento de sua dignidade, integridade e modéstia, em oposição à arrogância citadina e sulista. Essa afirmação está, frenquentemente, em oposição com o outro, como chama atenção o verso de Catulo da paixão cearense, recuperado como título de Patativa do Assaré: “cante lá que eu canto cá”, com uma intenção de definir suas preferências literárias, assim como a compilação composta por ele que tem como subtítulo “Filosofia de um trovador nordestino”.
Aliás, essa busca e afirmação da identidade é tão mais presente no nordeste que até nos vemos (sim, toda internacionalista me incluo) como nordestinos, em oposição ao sudeste que não se percebe “sudestino”... Ainda assim, há uma universalidade de sentimentos que são apropriados pela poesia. A poesia existe, seja aqui ou lá e se manifestará telúrica como os mistérios de Eleusis dos antigos gregos.

Você conhece a produção cultural potiguar. Quais os destaques, atualmente, da produção poética e literária deste Rio Grande do Norte?
 Há duas poetisas que me deslumbram: Marize Castro e Iracema Macedo, e ambas por terem em poesia essa universalidade, o sujeito pode estar na China ou na Rússia e poderá identificar a si próprio, a poesia em estado bruto, sem provincianismos, como um lugar metafórico, metafísico e criado na linguagem. Quanto aos homens, gosto de Jarbas Martins e seu rigor poético, Jota Mombaça e seus petardos na sala de jantar e no coro dos contentes, Falves Silva e seus livros únicos e que vão para além da poesia, são obras de arte, assim como o Carito com sua poesia-brincante e que mistura várias linguagens, Hercília Fernandes, Jairo Lima, Nei Leandro de Castro... Mas agora ando a pesquisar-descobrir a poesia não tão recente: Zila Mamede, Auta de Souza, Miguel Cirilo, Lourival Açucena, Othoniel Menezes, Paulo Augusto... a coleção João Nicodemus de Lima do Sebo Vermelho é um oásis no deserto do esquecimento e não só em poesia, mas de toda cultura e História.

Foto: Arquivo pessoal

8 comentários:

  1. A fotografia que ilustra a entrevista é da poeta Mariana Botelho.

    E, gracias!

    ResponderExcluir
  2. Adorei :)
    Você é muito inteligente além de talentosa.
    Beijosss

    ResponderExcluir
  3. Excelente entrevista!

    É daquelas que você se pega sorrindo, pelo reconhecimento ou pela surpresa.

    ResponderExcluir
  4. Gombrich diz: "O artista é seu melhor crítico. Se ele dialogar com sua obra, é um artista. Se dialogar com o público, é provavelmente um impostor".



    he he he


    É fato.



    Um beijo, Niníssima.

    ResponderExcluir
  5. Parabéns, Cefa, pela escolha: Nina é panorâmica. Nina é Mural.


    Um abraço pra vc!

    ResponderExcluir
  6. Por essas coisas ditas e bem ditas, é razão suficiente para te querer nas "Traças".Eu sabia , não estava enganada tu és um mural como alguem já disse anteriormente nesse blog.Beião

    ResponderExcluir
  7. nina come o mundo e a gente como sua poesia. sempre um passeio por multi coisas... inclusive esta entrevista.

    parabéns!

    ResponderExcluir
  8. Bela Entrevista! Parabéns. Estou Encantado...

    ResponderExcluir