Miguel Enrique StédileMais que o péssimo hábito de ignorar a produção de vizinhos latinos – especialmente esta que tem acumulado dezenas de prêmios internacionais e já é a maior bilheteria nacional na Argentina – , o sucesso do filme é um excelente contraste sobre a forma como o cinema é pensado aqui e lá.
O segredo é antes de tudo um filme simples. É verdade que o roteiro é bem construído, baseado num livro de boas vendas no país, e que conta com um elenco primoroso, com destaque para as atuações de Ricardo Darín e Guillermo Francella.
Apenas a seqüência da perseguição num estádio de futebol poderia ser considerada uma ostentação maior. No geral, o direto r recorre a closes simples e a desfoques no primeiro plano para contar sua história. O máximo em efeitos especiais são as maquiagens dos atores para representar os vinte e cinco anos de distância entre os dois pólos da trama. Em suma, nada de homens azuis em 3D, nada de explosões (ainda que seja um filme policial), apenas um bom filme bem executado por sua equipe.
A outra boa explicação para O segredo e para dezenas de bons filmes argentinos dos últimos anos é que, os hermanos escolheram o caminho de não escamotear suas contradições e dilemas atuais. O Filho da Noiva, do mesmo Campanella, Nove Rainhas de Fabian Bielinsky ou O Pântano de Lucrecia Martel são abordagens ou metáforas para as recentes crises política e econômica do país.
Por aqui, os olhares continuam voltados para Hollywood. A entrada do capital norte-americano nas produções nacionais, com a desculpa da distribuição, tem homogeneizado e assemelhado os filmes brasileiros ao modelo hollywoodiano. Se eu fosse você 2, por exemplo, maior bilheteria do ano passado, tem um enredo já visto em nove de cada dez filmes da sessão da tarde, com troca de corpos entre pessoas diferentes.
Este tipo de filme fazia muito sucesso nos anos 80, quando estrelado por promessas adolescentes; no nosso caso, vamos com Tony Ramos e Glória Pires. Assim como A Mulher Invisível, estrelada pelo onipresente Selton Mello, repete uma fórmula conhecida na TV, o das comédias de situação, as sitcom, comum nos seriados norte-americanos.
Mesmo a moda de biografias de gente ainda viva – Dois Filhos de Francisco e Lula, o filho do Brasil – são de praxe na TV, não no cinema dos Estados Unidos. Prova disto é que dos 21 filmes com mais de 2 milhões de espectadores no país nesta década, sete são originados em séries de TV, incluindo os filmes de Xuxa, e dois foram adaptados depois como episódios televisivos.< br />
Outro caminho escolhido pelos produtores brasileiros é o da favela chic. Mais do que debater os problemas urbanos do país, boa parte dos filmes prefere explorar a espetacularização da violência e aproveitar um filão que vende pobreza como exotismo também de olho no mercado internacional. Pena que a moda em Hollywood agora sejam os pobres da Índia como mostrou Quem quer ser um milionário.
Em resumo, o chamado cinema da retomada daqui têm os olhos voltados para a telinha e para a promessa do mercado exterior. O cinema se torna uma extensão da sala de casa ou um simples aquecimento para o mercado de DVDs. O resultado é esteticamente pífio, socialmente irrelevante e comercialmente mais ou menos. Em sentido contrário, os argentinos demonstram que o segredo não é fazer TV em tela grande, mas fazer cinema, olhando para onde pisam os pés.
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