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Crispiniano Neto: "Houve sim uma campanha orquestrada para me tirar da Fundação José Augusto"


Joaquim Crispiniano Neto, natural de Santo Antônio do Salto da Onça é um homem multifacetado: engenheiro agrônomo, advogado, jornalista, violeiro, repentista, cordelista, produtor cultural e ex-candidato a prefeito e a vereador de Mossoró pelo PT e presidente da Fundação José Augusto desde 2007 deu entrevista ao "Alpendre do PN". Crispiniano falou aos jornalistas Cefas Carvalho e Rômulo Estânrley sobre os problemas na FJA, o preconceito sobre seu nome e as políticas culturais do Estado. Confira:

Quando assumiu a FJA, no começo de 2007, parte da imprensa cultural e do mundo artístico vaticinou que o senhor não ficaria seis meses no cargo. Passados quase três anos, como avalia seu trabalho à frente da Fundação e o processo inicial que o levou ao cargo?
As críticas são naturais no processo, mas, existem evidências que houve uma campanha sim, para me derrubar.
Uma campanha orquestrada?
Sim, absolutamente orquestrada e muito bem orquestrada. Vamos lá: o PT não pediu para ir para a Fundação José Augusto. Quando a governadora Wilma contatou os partidos que contribuíram para sua vitória em 2006, ela ofereceu a possibilidade do PT - que já estava na pasta de Saúde - ir para a cultura. O PT nunca foi de barganhar cargos, mas a intenção do partido era ir para a pasta de Educação. Veja, Fátima Bezerra e Mineiro vêm da Educação, assim como o ex-deputado Júnior Souto e eu fui vice-presidente do Sinte/RN. Mas, acho que a governadora achou demais um partido só administrar as duas maiores pastas e maiores orçamentos e convidou o PT para a Fundação. Obviamente o partido procurou entre seus quadros quem tinha um trabalho com a cultura. Ao longo de trinta anos trabalho com a cultura em Mossoró, fui um dos coordenadores do Projeto Seis e Meia na cidade, fui membro do Conselho Diretor da Fundação José Augusto e durante cinco anos fui da Comissão da Lei Câmara Cascudo. Portanto, o que aconteceu é que o PT viu no meu nome um bom nome para a Fundação e não havia uma disputa direta entre eu e a então presidente (a educadora Isaura Amélia Rosado).
E o clima atual na FJA, como está?
Outro dia, na Fundação, fui obrigado a dizer a algumas pessoas que o PT não perseguiu ninguém lá dentro. Desafio qualquer um dos 501 funcionários a dizer que recebeu pressão ou discriminação por não ser do PT. E mesmo assim alguns ainda tratam com preconceito, tipo "esse caras do PT', "esses meninos do PT". E achavam que a gente ia cair, lutaram para nos derrubar. Teve jornalista que pregou tanto a minha queda que ele mesmo terminou caindo e tinha quarenta anos de jornal, era poderoso. Parece com aquela coisa dos intelectuais que pregaram que a literatura de cordel ia morrer, mas eles morreram e o cordel ficou (risos).
Essa perseguição que o senhor sentiu na pele foi midiática ou política?
Uma junção das duas coisas. É curioso, que antes no Brasil os jornalistas exerciam atividades intelectuais. Gente como Euclides da Cunha, Machado de Assis, Olavo Bilac, Ruy Barbosa passaram pela imprensa. Hoje tem jornalista que se orgulha de não ler, isso é muito triste. E ainda criticam Lula porque ele não lê! Como grande parte da imprensa é ou se arvora intelectual, existe um certo preconceito com quem vem do interior e não das rodas de uísque e vinhos onde se arrota conhecimento de almanaque, de orelhas de livro.
O senhor está se referindo a uma situação genérica ou ao seu caso em particular?
Alguns companheiros nossos de jornalismo não aceitam que venha um matuto de Santo Antônio do Salto da Onça, de Mossoró, e cria bodes em Serra do Mel para ser secretário de cultura do Estado, até porque este rapaz em questão não é doutor nem pós-doutor. Parafraseando Lula, nunca na história desse país um poeta popular teve status de secretário de Estado para tocar a política cultural deste Estado. Houve certo arrepio, sim, de alguns intelectuais... ainda se eu tivesse feito curso na França ou em Harvard... Todo preconceito deve ser tratado como uma coisa criminosa e burra. Se bem que não tenho preconceito contra os preconceituosos. Mas, também não posso ter respeito.
O que acha da política do Ministério da Cultura de regionalizar os recursos da cultura?
Na verdade não é uma regionalização, mas uma nacionalização. Numa federação, tem que se fazer os recursos chegarem a todos os lugares do Brasil. Na hora que o dinheiro da cultura não fica só entre Rio de Janeiro e São Paulo e para poucos, então mesmo com o aumento de 0,2% para 0,8% da verba para cultura, ainda falta dinheiro. Porque tem que distribuir para todos os lugares e aí o Ministério faz um trabalho de territorialização. Por exemplo, temos um programa como o Pontos de Cultura. Em vez de edital nacional, faz-se um edital por estado e dentro dos estados, observada a questão da territorialização. Dos 53 pontos de cultura, 19 estão em Natal e o restante espalhados pelo Estado. Com aquele sistema do edital nacional, em cinco anos o RN ganhou 15 pontos de cultura e quase todos em Natal ou na Grande Natal. Essa é a política correta. Com a antiga Lei Rouanet, 90 por centro das verbas para a cultura iam para Rio e São Paulo, pingando em Minas gerais e uma migalha para o Nordeste. Com a Lei Rouanet, o Nordeste tinha 1,8% do total de recursos para a cultura.
Ora, se o Nordeste tem 30 por centro da população do país, deveria receber 30 por cento dos recursos para a cultura, se o critério for populacional. Se o critério é compensação pelas desigualdades sociais, o Nordeste deveria receber 40% para crescer. Se o critério for o PIB, a região representa 14%. E se o critério for pagamento de imposto de renda, o Nordeste paga 6,1% do imposto do país. Então, por qualquer critério, a distribuição deveria ser maior do que menos de 2 por cento.
Com essa territorialização dos recursos, deverão ser criados conselhos gestores deles. Os artistas do Rio Grande do Norte estão organizados para comporem estes conselhos?
Estão se organizando, sim. A Fundação José Augusto tem trabalhado na perspectiva de ter a participação do segmento interessado, principalmente no sentido de se qualificar para fazer controle social. Por exemplo, nas casas de Cultura, um projeto maravilhoso que começou na gestão François Silvestre, vamos encontrar o risco de se tornarem repartições públicas, com funcionários que, quando muito, cumprem horário e falam da vida alheia e compram e vendem produtos do Paraguai. O cuidado que temos, embora não resolvendo totalmente, eu sei, é que contratemos pessoas ligadas a cultura. Vamos ter três funcionários em cada casa, que é pouco, mas também não podemos ter muitos, senão vira cabide de empregos, que é um risco. Então, convidamos artistas, professores, intelectuais das cidades para que criem Associações dos Amigos das Casas de Cultura e as transformem em ONGs, para concorrerem a editais de Pontos de Cultura. Desta forma, os artistas vão efetivamente para dentro das casas de cultura, mandando na casa junto com os funcionários e fazendo o controle social.
No livro "As alças de Agave" de François Silvestre, que o antecedeu na Fundação, ele registra que "Wilma não gosta de cultura. Gosta de entretenimento". Qual a sua percepção sobre a relação de Wilma com a cultura potiguar e como andam as relações entre a FJA e a governadora?
A relação da Fundação com a governadora é muito boa. Tive dificuldades com setores do governo e com pessoas muito ligadas a ela, mas não por determinação dela, em um primeiro momento, mas hoje está tudo resolvido. Com ela, particularmente não temos nenhuma dificuldade. Há na verdade uma máquina muito emperrada, que não é culpa de Wilma que os antecessores também pegaram e que o próximo governador vai pegar e sofrer, quem quer que seja. E a Fundação José Augusto ainda tem um plus de dificuldades e de gargalos bem superior a qualquer outra repartição por ter passado por um escândalo. Tudo da Fundação José Augusto é olhado com lupa, a partir dos próprios funcionários, pessoas sérias que num momento viram seus nomes nos jornais como culpados. Mas a FJA depende um pouco da Secretaria de Educação, depende da Secretaria de Infra-estrutura para realizar obras e a demanda lá é grande, depende da Secretaria de Planejamento, que libera pagamentos e ordens de pagamentos, além de licitações, além de depender da procuradoria geral do Estado e da Control, que antes de liberar o pagamento olha todo processo. Então, tudo que a FJA faz tem que perguntar ou parceirizar com alguém. Quando um processo sai da Fundação, sai do nosso ritmo, não depende mais da gente. São 17 carimbos para pagar um real ou um milhão de reais, chamamos até de uma "via sacra" do processo. Então, a burocracia existe de fato. Respeito a opinião de François, cada um tem a sua opinião, mas o fato é que a governadora tem mostrado boa vontade com nosso trabalho e com a cultura e a política cultural.

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